- Karoline Tavares
Há 100 anos, Euterpe Football Club quebrou barreira racial no esporte
Atualizado: Jan 16
Em 1920, o Euterpe Football Club, um time de futebol do Amazonas, se tornou o primeiro do Brasil a disputar um campeonato estadual apenas com jogadores negros.
Importante lembrar também que alguns clubes do Sudeste pioneiros na inserção dos negros no futebol brasileiro, como Ponte Preta, Bangu e Vasco da Gama, contavam também (e principalmente) com jogadores brancos nos respectivos elencos. Porém, segundo registros, o time amazonense foi o que participou de um torneio oficial de futebol tendo somente homens negros em campo e no banco de reservas.

Histórico
O Euterpe foi fundado no dia 7 de agosto de 1919, em Manaus, pelo carteiro Benedito de Mello Peixoto, que também foi o primeiro presidente do clube. As cores do escudo e do uniforme eram verde e branco.
O nome é uma curiosidade à parte: alguns dizem ser uma referência à Euterpe oleracea, nome científico do açaí, palmeira que produz um dos frutos mais conhecidos da região amazônica e tão amplamente consumidos nos dias de hoje.
No estatuto de fundação, uma das determinações era de que apenas negros seriam aceitos como jogadores e sócios. Porém, com o passar do tempo e devido à crescente procura de potenciais sócios, a ata foi modificada e abriu-se espaço para jogadores e sócios não-negros.
Desempenho esportivo
Logo após a fundação, a equipe disputou apenas amistosos e conquistou o único título de sua história, o 27° Batalhão de Caçadores, um campeonato de menor expressão, ocorrido em 1919.
Depois, se filiou à Federação Amazonense de Desportos Athleticos (FADA). Na estreia do campeonato estadual (do qual participou de 1920 a 1923 e em 1927), o Euterpe foi goleado por 6 a 1 pelo Manaos Sporting. E essa foi uma tônica da equipe, que sofria constantes goleadas.
Na breve crônica da partida, o Jornal do Commercio (AM)contou que os euterpianos fizeram uma boa partida, especialmente no segundo tempo, mas que a estratégia adotada pelo Manaos foi suficiente para neutralizá-los no primeiro confronto oficial da equipe alviverde.
O segundo jogo, contra o Luso Esportivo, foi marcado por uma forte chuva, mas, mesmo assim, seguiu normalmente. Nele, o Euterpe marcou os dois primeiros gols no campeonato, mas foi derrotado ao tomar seis do adversário. No confronto do returno entre as equipes, o Luso Esportivo venceu mais uma vez, agora por 4 a 1, e o gol de honra do Euterpe foi marcado por Dodó.
Dodó, nascido Domiciano Borges, foi um dos artilheiros do time e foi um dos jogadores euterpianos que teve bastante destaque no cenário local. O jogador permaneceu na equipe alviverde até 1923.
Clube social
Apesar dos problemas dentro de campo, o Euterpe fez enorme sucesso fora dele. A sede social era destinada a festas da elite manauara (majoritariamente branca), muitas das quais eram anunciadas com grande frequência na imprensa local. O dinheiro arrecadado ajudava a arcar com as despesas do clube. Até mesmo partidas comemorativas de baseball foram realizadas no Parque Amazonense.
Legado invisibilizado
O Euterpe Football Club teve uma história breve e acredita-se que foi extinto em 1930. Mesmo assim e por causa das constantes derrotas em campo, é inegável a importância de sua existência contra o racismo que imperava na sociedade e no meio esportivo da época. Como as atenções dadas ao futebol estavam voltadas quase completamente para os times do eixo Sul-Sudeste, o legado do clube amazonense foi “descoberto” há relativamente pouco tempo, em comparação com o dos citados no começo deste texto.
Nessa mesma direção, existiram alguns outros times de menor expressão, como o Clube Cravos Vermelhos e a Associação Athlética São Geraldo, ambos de São Paulo. Fundados também no final da década de 1910, surgiram em um momento onde os grandes clubes limitavam a presença de jogadores negros.